Os cachos trincadeira e maria-gomes ao pendurão como úberes atraindo mosquitos e a minha gula. Daqui de cima, do sobrado da minha infância que, quando eu crescer, será o primeiro andar da minha casa, pela porta que dá absurdamente para o telhado do alpendre, vejo lá em baixo um grupo de homens caminhando lentamente. Vêm […]
Autor: Manuel Bastos
Coisas de soldado
Soldier Things – Tom Waits Volto a convidar-te minha amiga: vem sentar-te junto à minha lareira e beber do meu vinho. Vem embebedar-te de poesia. Eu convoco aquele velho disco de vinil onde a estática já não me irrita. Sinto esses estalidos agora, como carícias nas rugas do tempo, uma ternura tua sobre a minha […]
A Doce Estranheza do Regresso a Casa
Quando o táxi passa no Largo da Capela o sino dá as horas. Não sei quantas. As quatro cornetas do relógio eléctrico da torre de Aguim esganiçam-se com as ave-marias e depois berram as horas a que ninguém dá atenção. Acho que as pessoas se habituaram àquele despropósito de decibéis como se habituam a um […]
A Grande Fome
As folhas de oliveira têm um som único quando ardem. A água do escorrido a ferver na trempe sobre o fogo, também. E o vinho a sair do garrafão para o copo? Tudo tem um som único, essa é que é a verdade. Tudo tem um sabor único, um cheiro único. E cada momento que […]
José Dentinho – Quando o corpo é uma prisão
Nocturne in c-sharp minor of ChopinNocturne in c-sharp minor of Chopin Visita da Delegação de Coimbra da ADFA a um sócio tetraplégico — O Dentinho tem 65 anos. O Dentinho é tetraplégico há 44, há uma vida inteira. Tanto que, durante toda a conversa connosco nunca reviveu uma única memória anterior ao acidente que em […]
Dor Fantasma em Lisboa
DOR FANTASMA, na Casa Conveniente [Lisboa] de 26 de Abril a 2 de Maio de segunda a domingo 21.30h Casa Conveniente (Cais do Sodré – Lisboa) bilhetes à venda no local e nas Estações de Correio ou em CTT-Online bilhetes 5€ (preço único) Depois de ter estreado “Dor Fantasma”, com textos de Manuel Bastos […]
Inquietude
Há uma vantagem em estar acordado: podemos sempre ir dormir. A vantagem de estar a dormir é que não precisamos de grande esforço para sonhar. Já estando acordado, só alguns o conseguem fazer. Porém, só um número ainda mais pequeno é que consegue estar suficientemente acordado para se inquietar com o drama de estar vivo […]
Tinto
Não fazes ideia do que estou a falar, pois não? Quando digo que me fazem pena as pessoas felizes, será que me entendes? Eu sei que bebi de mais, eu sei que fiquei de repente com vontade de rir e de chorar ao mesmo tempo. Mas tudo o que está conformado aos seus limites naturais […]
Vento
Num canto do parque de estacionamento algumas folhas secas rodopiam. Um saco plástico aparece do nada e rodopia também. O vento levanta-o e deixa-o cair, quase o faz dobrar a esquina e o liberta, mas volta a puxá-lo para o canto. Eu fico a olhá-lo por não ter nada que fazer. O bailado do saco […]
Açucenas
Sei de um pequeno pedaço de terra na serra da Lousã onde nascem açucenas. Ao lado há um bosque que convida a intimidades. Será que os líquenes sobre as pedras ainda guardam a ternura dos teus dedos? Será que o vento ainda viaja pela serra com as nossas palavras? Lembro-me que pegaste numa açucena e […]