Mozart

Na parede da sala o piano vertical tem a tampa levantada. Na pequena estante da tampa uma pasta de papel amarelado. Um jovem olha a cidade pela janela e faz estalar os dedos das mãos.

Na cabeça uma pequena confusão de pensamentos. À mistura com os restantes pensamentos, uma partitura de Mozart e uma decisão adiada.

A partitura vê-se bem mas a decisão não. Está adiada.

Ele faz correr as notas de abertura da peça pela memória. A decisão fica encoberta pela música.

Não olha a cidade, apenas dirige para lá o olhar. Quando dirigimos o nosso olhar para o infinito, habitualmente procuramos ver algo no nosso íntimo.

Depois, a réstia de um sorriso atravessa-lhe o rosto e ele senta-se decidido em frente do piano, esticando sempre os dedos. Abriu a pasta amarelada e passou para cima a folha de papel que dizia “Mozart Piano Sonata in C major, K. 309”.

As mãos pairaram alguns segundos sobre o teclado.

Enquanto isso as notas de abertura da peça correram de novo pela memória, mas agora a decisão adiada via-se claramente em forma de rosto de mulher com olhar de súplica.

Quando os poderosos acordes se espalharam pela sala como um carrilhão de esperança, a réstia de sorriso abriu-se no rosto e o calor reconfortante do perdão encheu-lhe o peito

Publicado por

Manuel Bastos