Depois de descer as escadas de cimento, paro um pouco, antes de saltar por cima do portão de ferro que dá para a rua. A minha rua não tem nome. Talvez um dia lhe dêem o nome de alguém importante que venha a nascer aqui, ou talvez lhe dêem o nome de São José que já é o nome da capela que se vê daqui, porém agora não tem nome.
É tão pessoal, tão íntimo, que a minha rua não tenha nome; é a minha rua e mais nada.
Já me encontro na rua agora. A minha rua. Passo como um fantasma, mal tocando o chão com os pés, para não denunciar a minha presença sob a janela do quarto dos meus pais que ainda estão no primeiro sono.
Felizmente umas notas soltas de trompete ajudam a abafar o som dos meus passos. Gosto de ouvir assim um músico à procura do caminho. Quase um exercício apenas. Notas rápidas para educar os dedos. Ainda não se entende o discurso, é como se o Sr. António Carreto estivesse apenas a dizer palavras soltas que mais tarde haverá de dizer por uma ordem coerente. Agora o músico e o instrumento estão apenas a namorar, até se entenderem bem um com o outro. Um dia destes serão um só e desse casamento nascerá algo completo, um novo ser, que então terá vida própria e fará esquecer todo este trabalho de reconhecimento, de experimentação, de refinamento; mas algo me diz que o Sr. António Carreto gosta é mesmo desta parte. Acho que ele ensaia uma música como quem faz amor e é por isso que as notas saem para o ar frio da noite como investidas de um macho com cio, cercando a fêmea, repetindo os mesmos gestos, os mesmos sons, tal como num ritual de acasalamento.
Penso um bocado nisto e puxo de um cigarro. Sento-me no muro da casa da Ti Maria Adôa. Ainda é cedo e fico aqui um pouco a fazer tempo.
O Tirone do Ti Zé Sécio vem a coxear um pouco e fareja os meus pés, as minhas pernas e depois de dar duas voltas à minha frente deita-se com o focinho sobre o meu pé direito. Os cães gostam de mim. É um facto. O Tirone gosta de mim. Somos amigos, é isso.
Alguém fala alto. Um homem e uma mulher, mas tão longe que não consigo perceber o que dizem. As pessoas falam alto nas aldeias. Porque será? Talvez o que aconteça é que se ouça melhor nas aldeias, não há ruído de fundo: automóveis, eléctricos, autocarros e tudo isso. O Tirone parece que ouviu algo importante porque se levantou alvoroçado e esticou a cabeça, depois ficou um momento como que indeciso, mas parece ter cedido à preguiça e voltou à sua posição anterior com a cabeça sobre o meu pé esquerdo.
O Afonso e o Zé estão atrasados e eu ponho-me a andar sem eles.
Aqui, depois de olhar ao longe o casario do Tovim, vejo no relógio do Windows que ainda é cedo também, mas apeteceu-me de repente ir ler e ouvir música. Fui um pouco à varanda e deixei-me ficar a reparar no ruído de fundo que realmente existe, um “hammm…” não é bem um ruído, é apenas uma diferença no ar, ou na alma, sei lá. Se eu gritasse daqui o casal que desce a rua lá em baixo não me ouviria e lembro-me bem que em Aguim as pessoas conversavam sem sair das próprias casas a distâncias inconcebíveis. Quem sabe, talvez seja porque esta rua tem um nome, não é a minha rua.
Bem, passou-me a vontade de escrever, vou escrever “um” a seguir ao título e continuo a história outro dia.
Boa noite.
paulo bruno bandarra
28 de Setembro de 2007 às 6:55
acho que conheço muito bem o afonso e o zé que estavam atrasados…:)
Rui Secio Rodrigues
6 de Outubro de 2007 às 2:44
Ola Manel;
Nao essa rua tambem e minha, e ja nao sou so eu que digo que o Tirone era muito especial.
Um abraco
Rui Secio
Manuel Bastos
7 de Outubro de 2007 às 17:08
Paulo,
Somos todos conhecidos sim.
Rui,
Contacta para o meu e-mail: mcbastos@netvisao.pt quero saber notícias tuas.
Um abraço