O Vale d’Aveia Revisitado

P1000677_ed-uploadFalta aqui qualquer coisa.

Não me refiro à vinha que a Europa pagou para arrancar, refiro-me a qualquer coisa mais que não se pode desenhar diante do olhar.

Refiro-me a algo para o qual ainda não arranjei palavras; talvez a ansiedade do pincel ante a tela vazia, talvez o desalento de uma página em branco ou apenas a vertigem de um silêncio repentino, como se inesperadamente uma música dentro de nós parasse a meio e um acorde.

Aqui havia um vinhedo em panejamentos ondulantes até à quinta da Murteira, mas isso foi antes da eutanásia da Comunidade Europeia à agricultura portuguesa para protecção dos agricultores franceses. Aqui havia o silêncio da tarde que permitia ouvir as vozes dos camponeses e o ruído das enxadas desfasadas da imagem, como num filme mal sincronizado, a mostrar que o som viaja apenas a 340 metros por segundo. Aqui, nos dias especiais, havia o violino do Sr. Manuel da Leonarda a mostrar às aves como se voa numa tarde de Outono.

Aqui, segundo me disse, a minha mãe fez uma promessa à Nossa Senhora de Fátima, que é o que faziam todas as mães cujos filhos foram para a guerra. Como toda a gente sabe, embora a Nossa Senhora de Fátima não tenha cumprido completamente a parte dela, a minha mãe cumpriu escrupulosamente a sua. Aqui havia uma outra vida da qual eu fazia parte. Agora, sinto-me um espectador, ou pior ainda, um turista.

Esforço-me por recolher a melancolia poética desta paisagem, jogando com a abertura do diafragma e a velocidade de obturação da máquina e o resultado parece-me ser a melancolia apenas.

Talvez a causa esteja na ilusão de que o tempo passou, quando, na verdade, quem passa somos nós. Talvez na desculpa de que os campos estão incultos por outros motivos que não o nosso divórcio da Natureza. Ou simplesmente porque tudo tem o seu tempo ou, como ainda se diz em Aguim, tudo vai atrás do seu dono.

Mas não se perdeu tudo. Ponho os auriculares do PDA e ouço de novo o violino do Sr. Manuel da Leonarda. Então o Vale d’Aveia reconstrói-se perante mim e o Outono ganha de novo a poesia. Não acreditam? Cliquem aqui para ouvir “O Voo da Calhandra” de Ralf Williams e depois vejam lá se a imagem do Vale d’Aveia não ganha a familiaridade dos lugares que fazem parte da nossa vida.

Publicado por

Manuel Bastos