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De certo modo, ao olhar pela objectiva da máquina estou a ver esta guerra em diferido, é como se fosse uma testemunha e não um agente. É esse espírito que me trouxe aqui, a este largo onde as crianças do aldeamento jogam à bola e onde costumo sentar-me para me distanciar da realidade.
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Disparo algumas fotos e depois mantenho-me a ver o jogo pelo enquadramento que a objectiva permite e o quadro animado das crianças a jogarem à bola deixa de ser real. Ao fundo mal se vê a capelinha de S. José da minha aldeia. E como diabo nasceram árvores no Largo do Sobreirinho? Juro que ainda agora saí de casa a caminho da escola. Parei aqui só porque faltava um elemento na equipa do Tó.
A minha mãe rega a fiada de sardinheiras que rendilham a vermelho e branco a parede da rua e ajeita um ramito desalinhado como quem compõe uma madeixa rebelde. – Assim? diz ela satisfeita com o resultado do seu gesto carinhoso, e para mim: – Onde bais tu tão cedo? eu, moita, a mudar de conversa – Ó mãe, porque é que não planta antes rosas? e ela escandalizada a olhar para mim como se eu tivesse sido deselegante com uma sua amiga íntima.
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Procuro aqui em Mueda, com o enquadramento da máquina a grande fonte de arco de ferro do Largo da minha terra, onde, anos mais tarde, tanto encostava, às Sextas a carrinha da biblioteca, como às Terças a carrinha do peixe; só que a carrinha do peixe buzinava e a da biblioteca não; mas apenas encontro um amontoado de sucata que há-de ter sido um Hunimog antes de pisar uma mina.
Não sei porque me lembro sempre da minha mãe a regar as sardinheiras quando me vem à cabeça estes jogos de futebol no largo da minha aldeia e a biblioteca itinerante em que o Professor atendia os seus leitores, tão convencido da nossa dedicação que não achava necessário buzinar como o peixeiro – Onde bais co essa gabela de libros? e eu a responder, fugindo à questão novamente, dez anos depois – As rosas cheiram melhor mãe, isso são flores de pobre. – Olha que nos libros do coléijo no pegas tu, retorquia ela melindrada como sempre, com a minha falta de sensibilidade.
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helena_fernandes
14 de Junho de 2006 às 15:44
Já tinha saudades de um dos seus textos, ou será melhor dizer, retratos da minha aldeia… Continue a fascinar-nos com os seus “regressos ao passado”… é quase como sentar-nos no rebate da porta a ouvir um história do avô ( eu sei q não ´assim tão velho!!!)…
continue.. afinal Aguim não vive só de futebol e dos resultados do nosso ARA! vive também das memórias do passado… já que hoje em dia não se passa, nem se faz nada de “interessante”! ou q seja digno de ser noticiado…
🙁
Anonymous
25 de Junho de 2006 às 15:00
Manuel;
Mais uma vez nos fazes lembrar os bons momentos da nossa aldeia, aldeia onde tambem cresci e adoro. Aquilo que tu viste nesse Largo em Africa e que te fez regressar no tempo e relembrar o nosso Largo do Sobreirinho e sem duvida a “Saudade”. E que saudade eu tambem tenho desse tempo em que via a “Quitas” a regar as suas sardinheiras e durante as ferias de Verao a gritar pelo “Manel” pra se levantar da cama que ja eram horas de almocar.
Que “Saudades”
Obrigado mais uma vez por nos recordares estes tempos.
Rui Secio Rodrigues
Manuel Bastos
26 de Junho de 2006 às 15:21
Helena,
Tenho a certeza que ainda se passa muita coisa interessante em Aguim, só que é preciso deixar que o tempo e a memória transformem aquilo que parece banal, no presente, em algo precioso, no futuro, porque já não volta a acontecer.
Rui,
É bom saber que acompanhas este blog e que te agrada reviver o passado através dos meus posts. De certo modo eu também sou emigrante e se a distância geográfica é menor, a distância temporal, essa, é maior até.
Um abraço para ambos