O Abílio

– Inda no bieram!

Quem se lembra do Abílio?

Durante décadas, em Aguim, deixaram de baptizar as crianças com esse nome. – Inda no bieram! Dizia ele, nunca se soube porquê. Tinha um ar de ingénua felicidade. Só as crianças o incomodavam. – Cais das calças a baixo! Cais das calças a baixo! E ele a atirar-lhes pedras… mas de resto era feliz. Era criança também, nunca tinha deixado de o ser. Talvez as crianças tivessem medo de ficar sempre crianças como ele.

Davam-lhe comida… – E a pinguita e a pinguita?… e davam-lhe roupa, que ele transformava imediatamente em roupa de mendigo mal a colocava em cima. – Ó guinato, cais das calças!… ele trazia as notícias, sabia todos os mexericos e cheirava a mendigo.

As mulheres eram todas suas pretendentes… – Quando é, quando é?… Elas a rirem com carinho… – Quando tiveres dinheiro para a boda… e ele a tirar uma mão cheia de pedaços de jornal. – Terça-feira, Terça-feira!

Um dia eles bieram mesmo! Eles vieram e levaram o Abílio para onde não houvesse necessidade de mendigar nos últimos anos de vida, para onde não houvesse crianças com medo de ficarem crianças para sempre.

Ouvi dizer que não transformava o pijama em roupa de mendigo. Ouvi dizer que já não dizia – Inda no bieram! Ouvi dizer que perdera o ar de ingénua felicidade. Nunca mais trouxe os últimos mexericos da semana, nunca mais: – Quando é, quando é? Nunca mais: – Terça-feira, Terça-feira.

Publicado por

Manuel Bastos