Manuel da Leonarda

Deixem-me contar-vos isto. Estou a ouvir um disco que me transporta sempre a Aguim. Transporta-me ao meu quarto de criança. O som do violino do Sr. Manuel da Leonarda (soa mesmo a nome artístico) entra-me pela janela. O som sobe, desce, apressa-se, abranda, é levado e trazido pelo vento e às vezes pára interrompendo o voo. Depois começa de novo, como uma ave que está a aprender a voar ou um bailarino que repete o mesmo paço de dança até sair perfeito. Avança mais um pouco até à próxima dificuldade, tropeça e volta ao princípio.

Dias e dias, semanas a fio, eu no quarto, em silêncio, e o Sr. Manuel da Leonarda a ensaiar, a domesticar o violino, a ensiná-lo a voar.

Um dia num centro comercial paro, sem saber porquê, e vem-me à memória a imagem da minha rua em Aguim, à noite, no ar limpo de Fevereiro que deixa o som mais puro, e o violino do Sr. Manuel da Leonarda a voar pairando e depois subindo, subindo, já seguro de si num desenho perfeito de ave adulta no voo. Reconheço a música e compro o CD.

Sei que convosco não resultará, estas coisas são pessoais. Mas podem sempre experimentar. É sobretudo preciso esvaziarmo-nos primeiro mentalmente. Abrandarmos as pulsações até ficarmos ao ritmo de uma ave sentada no vento e depois, com gestos lentos como se fosse um ritual iniciático, colocarmos o CD no leitor. Cada pessoa verá uma coisa diferente, eu vejo sempre a minha rua em Aguim e o violino do Sr. Manuel da Leonarda voando ao som da Ascending Lark de Ralph Williams.

Tuna do rancho de Aguim6
Tuna do Rancho (velho) de Aguim

O Sr. Manuel da Leonarda é o primeiro em cima, à esquerda. Tal como hoje num país longínquo, ao dizermos que somos de Portugal, nos respondem a única coisa que sabem dizer em português: Figo? também durante muito tempo e em lugares bem distantes nos diziam: Aguim? Aguim da tuna? Talvez merecesse o nome na rua onde viveu. Não? O São José não se iria importar. Aqui deixo a minha declaração de voto.

Publicado por

Manuel Bastos